Faltavam dez minutos para o meu expediente acabar. Arrumei o
cabelo no espelho do banheiro, passei um batom, peguei minha mochila e sai. Quem me conhece sabe que sempre estou de mochila preta, pendurado no zíper: fitas finas cor frevo que achei nas areias da praia do nordeste. Todas as minhas coisas estão lá dentro, em uma certa ordem automática. Me acostumei com o peso, a postura calejou, jurei que aquela cerveja ia ser a última, e a última, e a última, embriagada fingi não ver o que me contaminou, uma patética substância, a essa altura álcool é uma ideia romântica. Até aquele momento também fingir não ver outra forma de contaminação - tão patética quanto - os fatos, fardos, pessoas e pedaços de histórias cômodas, em uma ordem quase automática, carrega-los me faz muito sentido, era o que me cabia.
Se a consciência fosse sóbria certamente gritaria "-Eu não quero isso pra mim: Que me roubem, que me levem, sem culpa."
Se a consciência fosse sóbria certamente gritaria "-Eu não quero isso pra mim: Que me roubem, que me levem, sem culpa."
Mas como olhar para o passado sem culpa por não ter sido uma
pessoa plena talvez? Eu nem sei o que isso significa. É mais fácil quando se é religiosa, a culpa é da carne que ainda
pinga vermelha a vida impura, o pecado da originem, carecendo de purificação. Uma perfeição jamais
alcançada, só se tem a necessidade de se des-culpar
O mundo continua vivendo em mim, em todos os seus elementos e micropartículas, água, ar, carbono, em uma ordem quase automática que me torna humana, sem isso a vida é outra coisa ainda incompreensível, desmoronando a ideia também automática de última faceta na terra; a eternidade. É preciso aprender a dizer adeus.
O mundo continua vivendo em mim, em todos os seus elementos e micropartículas, água, ar, carbono, em uma ordem quase automática que me torna humana, sem isso a vida é outra coisa ainda incompreensível, desmoronando a ideia também automática de última faceta na terra; a eternidade. É preciso aprender a dizer adeus.
Eu merecia ser culpada e também merecia ser livre. E a
liberdade vinha, condicionada ao momento, limitada pela simples existência de
ser uma coisa e não outra, um humano e não uma planta, uma mulher e não um
homem, você e eu, mais ninguém. Sempre foi só você e eu.
O medo tem várias formas, fico aterrorizada em pensar ser
herdeira eternidade.
Caminhei até as barcas, depois até o metro sentido Zona Sul e
a esperei chegar.
Eu a achava incrível, o jeito que ela andava a postura, o
toque forte, era tão sóbria, certa, me tocava como quem sabia o que tava
fazendo, tudo sempre foi dela. Eu sou o oposto nada é meu, sempre quis algo além,
me transbordar e ir, caminhar, abandonar tudo, a minha liberdade é a mutação transcendente.
Em um ponto do universo a nossa existência se encontrava, camufladas,
sabíamos exatamente onde queríamos chegar. Ela com uma intransigência agressiva que aos
julgamentos superficiais confundia-se com o caos da guerra. Eu com uma leveza intransigente
que aos julgamentos superficiais confundia-se com inercia e passividade. Mas nem eu nem ela nos prendíamos a isso e antes
mesmo de que qualquer pessoa nos vissem de verdade, já havíamos ido.
Dizem que o amor é o encontro com a sua outra metade. Pra
mim, essa ideia de parte ausente que só se completa com a presença do outro nunca
fez sentido. A outra metade não é uma condição para a felicidade mas sim uma metade
que é tão parecida comigo, e tão oposta, que me fez entender a existência de objetos com dois polos, imas que se repelem
absurdamente ou se encaixam milimetricamente em um só, tudo dependendo de como
seus polos serão unidos.
Eu quis encontra-la porquê
me via em um espelho, eu a reconhecia em mim. Uma miragem hipnotizante, eu era
ela. Nunca me senti tão ligada a alguém, e assim entendi o que era amor. Nenhuma
palavra vai ser tão grandiosa, nada vai ser tão intenso, só me resta o silêncio.
Mergulhei tão profundamente que fui sugada em um espiral, o fundo era pouco,
quando dei por mim já não tinha forças para chegar a superfície e desmaiei. Esse meio termo de consciência que se desvanece
é o fantasioso mundo da morte, você vê anjos, delira, e tem os outros que também estão no
mesmo mergulho do amor, fui pega pelo braço e cuspida para superfície. Reage,
respira, elas diziam, depois sumiam nas águas. O sol quente no meu rosto
molhado e a incrível vontade de viver tudo outra vez
Nenhum comentário:
Postar um comentário