23.1.16

Garota tóxica

Pegou o maço de cigarros na prateleira do quarto, foi até a janela e o ascendeu.

A sensação era imediata, calma, leveza, saciação  anestesiante.Os pássaros pousavam na janela do vizinho do prédio da frente, observava as outras janelas: uma senhora cozinhava feijão, um homem estendia a roupa, janelas fechadas, entre abertas, apartamento vazias. Observava a vida seguir o cotidiano, esse era o seu segundo, de relaxar, de observar, de sentir, de saciar-se. Apagou o cigarro e fingiu esquecer que um dia o fumou. 

Alguns dias passaram, ela entrou no quarto em uma mistura de tédio e desespero. Procurou na prateleira seus cigarros, o evocou porque precisava sentir, precisava sentir outra vez. O cigarro pegou a garota, ateou fogo, ela era tóxica. Foi até a janela e tossiu, socou o peito, abandou-a no cinzeiro  e fingiu esquecer que um dia a fumou




Análises


Sem sombra de dúvidas são análises de um ponto de vista muito especifico.

O ponto ou o lugar de quem o observa. O que tenho de empírico – mais concretamente possível – além da minha própria maneira de entender o mundo? Como posso eu dizer tão incisivamente quem es, sem que isso ponha-se a prova de quem realmente es?

De que lugar te falo? Falo de dentro, minhas sensações, traumas, felicidades, aventuras, inúmeros traços, conjunto de pedaços de histórias que se confugiram em um arranjo doido de uma vida incrível. Na minha cientificidade de fatos míopes, que tem seu ponto de origem no “uma vez vi”, “uma vez senti”, “uma vez vivi” situações muito semelhantes, cujo resultado, prazer, Karine Maia. Criamos esse conjunto de regras próprias bem estruturadas dentre de nós por uma simples resposta: ninguém quer sentir dor.

Lembro do primeiro dedo enfiado na tomada, por mais que as advertências dissessem “-não mexa ai” e o choque correndo pelo meu braço em uma dor estapafúrdia, a cor da tomada, a temperatura do ambiente, o dia ensolarado, a casa, o cheiro de domingo, meus pais correndo pra me ajudar, também fazem parte das lembranças de quando entendi o significado de eletricidade. É impossível pensar nessa dor única sem reviver todas essas estruturas, parte do aprendizado sobre o fato. Ai eu amei pela primeira vez e o olhar dele de “não” se ligava a uma forma única que ele também aprendeu sobre algumas advertências: um beijo mal dado, uma garota que chorou, um pai enfurecido, eu ali absorvendo e me estruturando também, agora essa expressão única de “não te quero”, que nasce de formas que eu jamais entenderei, passa a ser uma expressão que sei ler perfeitamente, mesmo sem saber o que é plenamente.

Quais são suas estruturas? Eu não sei. Talvez nem você mesma saiba e a forma de ignorar, amar, simpatizar, inúmeras inumares, seja a mesma forma que aprendeu de alguém que aprendeu de alguém nesse jogo infinito de relações que agora é parte de você.

   Homossexualidade, bissexualidade, o que isso significa além da minha imensa vontade de querer você? O que isso significa além da sua manifestação de também me querer? Somos efeitos colaterais de todos esses choques, amores, amar, um desejo tão louco, insuportavelmente bom, desde os primórdios dos primórdios. Mas alguém - em algum ponto da história - disse “-não pode acontecer”, talvez uma reação da reação, da expressão de querer alguém que queria alguém que nunca poderia ter, agora a cá estou evocando todos os meus ancestrais mortos: - me deixe ser livre, a mulher e a outra mulher em um desejo multou e insuportavelmente bom.      


Algumas pessoas tem uma facilidade cognitiva de absorver os “não”, mas, acredite, não conheço uma só pessoa, por mais obediente e cuidadoso que seja, que nunca tenha tomado um choque. Essas coisas acontecem. A moça atravessa a rua e viu o cara, o mais magnifico dos caras que pensou nunca poder querer, a moça liga o rádio e ouve uma mulher cantar, o moço da banca de sorvete vê o moço que compra o sorvete, a aleatória age como sempre agiu, desejos que nascem e crescem e todos os “-naos” são postos a prova.  

p.s.: texto inacabado 

20.1.16

Chovia gotas espaçadas no céu branco manchado de cinza. Pensei que talvez fosse hora de ir para a biblioteca outra vez. Pensei ser, peguei uma garrafa de água, meus livros, levantei a barra da calça e abri a porta apressada. Era um prédio com vários blocos em seu quintal como sobrados e puxadinhos em terreno de família grande. Caminhei alguns metros, sentei no banquinho do play esperando a chuva passar.

Eu estava sozinha outra vez. O celular na mão sempre dá a impressão que estou imersa em festa com o mundo inteiro.

Vibrava e vibrava e ela me fazia perguntas outras vez.
Eu criança corria pela vastidão do quintal do prédio. Atrás da pilastra me parece um bom esconderijo. Você contava:

- 1, 2, 3... pode ir?

Eu em silencio esperando que fosse, que  me achasse dessa vez sem que eu precisasse dizer uma só palavra. Queria senti-la de longe olhando, tentando identificar se aquilo era uma pessoa ou não e se fosse talvez pudesse ser eu. Talvez estava predestinado a ser eu, nesse segundo, nesse ano, nesse século, como um humano, a mulher que em seu ventre dá play ao ciclo da vida, te espero incansavelmente para a próxima melodia, mais um começo.  

Suas perguntas estão aqui, como quem diz em uma brincadeira de pique esconde:
- Acho que tem alguém ali escondido atrás da pilastra. - Se aproxima, sei que encontrou meu esconderijo dessa vez.

 Quer saber quantas vezes alguém quebrou meu coração? Quantas vezes eu mesma fui o próprio desastre de alguém?  Quer saber com quem eu me deitei semana passando e de olhos fechados no escuro só conseguia enxerga você e tudo me saltava a cabeça:

 - Essa menina é uma furada, uma farsa, ela achou meu esconderijo e eu nem de longe a vejo, nem sei quem ela é.

Quer realmente saber? Está a um triz de tudo, um triz de me perder, um triz de se perder, a um triz de perdemos juntas as próprias cabeças. Estou gritando:

- NÃO ME PERCA, VAI VALER A PENA . ! ?


O que faço se gritar contigo é como evocar meus fantasmas e chama-los para um grande duelo, onde uma só pessoa poderia sair viva? Mas eles são só fantasmas, sombras de um contornos mal definido. Não os vejo, não te vejo, lanço vários golpes a esmo que parece não acertar ninguém. Estou cansada de joelhos implorando para que me mate porque eu já perdi essa luta. Implorando, rindo gargalhando porque perder é ganhar outra chance andarilha de recomeçar, seja lá onde for. 

12.1.16

o que aprendi com david bowie

morreu ontem david bowie. estranho, um dia de despedidas já estabelecidas, sabe, ele estava velho, dias antes lançara seu último clipe, quase um testamento, quase um até logo.




david bowie foi um desses artistas que me tocou de um modo deveras estranho. antes de ser seu fã, já entendia de antemão que tinha uma mensagem forte a ser passada, pensava, compreendi logo que sua voz e seu ritmo provavelmente me marcariam. eu, no entanto, não procurava saber mais que isso. talvez arrogância, quem sabe preguiça, a questão é que me acomodava bem apenas esse vago sentimento de empatia, bastavam-me esses pequenos laços criados por ele.

foi quando visitei sua exposição que tudo mudou.

mudou, primeiro, porque estava em berlim, céus, que cidade incrível, é virtualmente impossível não adorar o bowie depois daquela exposição naquela cidade naquele contexto com a melhor compania possível (beijo, lucas). suas roupas, seus cenários, seus rascunhos e pensamentos, sua trajetória e suas fãs, tudo dizia: DAVID BOWIE É.

desde então sua música passou a ter um sentido próprio em meu âmago. não sei explicar (quiçá ninguém saiba), apenas parecia-me correto demais escutar buddha of suburbia ao cruzar a baía de guanabara todas as manhãs a caminho da faculdade, ou starman no metrô, ou heroes no final de domingo enquanto lia-se qualquer blog internet afora.

foi david bowie quem me mostrou, de um jeito que nunca havia entendido, que eu posso, sim, ser quem eu quiser. talvez não materialmente, esse vago parâmetro humano de existência, mas sob uma forma ainda mais efêmera e, por isso mesmo, com tanta força: posso imaginar-me como quiser eu.

porque se visto uma roupa ou tiro uma foto parte de mim se esvai, parte de mim agora é capaz de comunicar-se com outras tantas pessoas que também querem se comunicar. o jogo de expressão ficou tão mais consciente após entender bowie e sua excentricidade, a vida cotidiana pareceu-me cada vez mais compreensível e aprisionante, cada vez mais podia sentir, com meus olhos, que a chave para a libertação está dentro de nós protegida pelo manto da silusões socialmente construídas - e, por isso mesmo, tão fascinantes de serem destroçadas.

com bowie eu comecei a me soltar e me sentir solto. com bowie eu passei a esperar algo a mais, algo de mais fascinante do que a prisão mental na qual nos condicionam. com bowie eu aprendi a enxergar mais que muitos livros, a escutar mais que muitas esculturas, a voar com palavras, a pensar em sujeitos.

http://manifestacoes2013.corgiorgy.com/



bowie entrou para a história, mas eu sei que, sendo tão bowie quanto bowie, possivelmente não entrarei nesta linearidade temporal que criamos para dar sentido ao tempo.

crio minha própria cadeia de eventos que se subtraem e multiplicam a experiência espaço-sensorial e nem por isso sou menos bowie que bowie. faço-me bowie na medida de meus desejos, torno-me bowie na consequência de meus esforços.

obrigado, bowie, pelas lições. seguimos.






update 20/01

a warner mandou retirar o video acima disposto na postagem. talvez queiram tirar dinheiro da morte de bowie vendendo arquivos em mp3