O mês de outubro foi pautado por uma
série de questões sobre gênero feminino. Outubro rosa, mês da conscientização
sobre o câncer de mama. Valentina, uma das participantes de 12 anos do reality
show Masterchef, em sua edição Kids, foi vítima de inúmeros tuites com conteúdos
sexuais, o que resultou na campanha #primeiroassedio, que incentivou mulheres a
relatarem o primeiro caso de assédio sofrido.
O Enem lança tema de redação abordando a “A persistência da violência
contra a mulher na sociedade brasileira” e deixa um exercício de reflexão:
repensar a posição da mulher na sociedade brasileira.
Mas, afinal, qual é o papel da mulher
na sociedade atual, considerada pós-moderna? Era domingo à noite e eu voltava
para casa depois de mais um dia de trabalho. Faltando pouco metros para chegar
ao meu prédio, avistei um homem vindo em minha direção. Travei a bolsa embaixo
do braço, forçando-a contra os peitos em uma tentativa de proteger meu corpo e
meus objetos. O senhor que se aproximou lançou-me um olhar metódico. Eu já
sabia qual seria a direção da sua cabeça: primeiro os peitos, pernas e depois
me encarou sorrindo maliciosamente. O mundo era dele e eu não deveria estar
ali.
Eu, como mulher e homossexual,
planejo, minimamente, a minha rotina para sobreviver a mais um dia na terra.
Procuro não chamar atenção com meus cabelos e roupas, não andar nas ruas desacompanhada
depois de certa hora, não demostrar afetos a minha parceira em público. Vamos
falar de uma vida pautada na falta de liberdade de ser quem sou. Vamos falar de
ser violada constantemente, de uma violência que não agride só a carne, mas a
que fere a alma, que infringe a liberdade de ser quem nasci para ser:
mulher. Retomo a pergunta do início do
texto, o que é ser mulher?
Eu não posso responder pelas outras
99% das pessoas o que é ser mulher e os fardos que temos que carregar. A minha
voz é o grito solitário, que, em tempos digitais, encontra outros tantos ecos,
outras tantas vozes que, assim como a minha, dizem não à legitimação do medo
feminino de se locomover pela cidade, não a outros casos Valentina, não ao
primeiro assédio, não à violência doméstica e todas as outras formas de violar.
Depois de acompanhar a repercussão
dos fatos nas mídias digitais, vi muitos comentários de críticas, que tinham
como questão a hierarquia de importância das demandas sociais, o famoso “temos
coisas mais importante para discutir”, esquecendo que fazermos parte de um
organismo social, e que a violência que nos atinge é a manifestação da doença
venérea e histérica que é o ódio. Falar de violência contra uma mulher é falar
de violência de uma sociedade inteira que não enxerga no outro da sua própria
espécie a continuação da vida.
Nada tem a ver com a supremacia da
mulher perante o homem e sim com a liberdade. A mulher que gera, que cria, que
alimenta, é a mesma mulher que se sente ameaçada ao voltar do trabalho, nos
transportes público, no seio familiar, que tem que se precaver sempre nas
roupas nos gestos, que carrega o medo condicionado a um gênero. Vamos falar da Valentina e de tantos outros
casos de abuso sexual e pedofilia, vamos falar de assédio sexual e lembrar que
a violência não deve ser cúmplice do silêncio e do medo, e que jamais devemos
nos calar. Que o mês de outubro percorra muitas outras primaveras.
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