3.11.15

Outubro das flores

O mês de outubro foi pautado por uma série de questões sobre gênero feminino. Outubro rosa, mês da conscientização sobre o câncer de mama. Valentina, uma das participantes de 12 anos do reality show Masterchef, em sua edição Kids, foi vítima de inúmeros tuites com conteúdos sexuais, o que resultou na campanha #primeiroassedio, que incentivou mulheres a relatarem o primeiro caso de assédio sofrido.  O Enem lança tema de redação abordando a “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira” e deixa um exercício de reflexão: repensar a posição da mulher na sociedade brasileira.
Mas, afinal, qual é o papel da mulher na sociedade atual, considerada pós-moderna? Era domingo à noite e eu voltava para casa depois de mais um dia de trabalho. Faltando pouco metros para chegar ao meu prédio, avistei um homem vindo em minha direção. Travei a bolsa embaixo do braço, forçando-a contra os peitos em uma tentativa de proteger meu corpo e meus objetos. O senhor que se aproximou lançou-me um olhar metódico. Eu já sabia qual seria a direção da sua cabeça: primeiro os peitos, pernas e depois me encarou sorrindo maliciosamente. O mundo era dele e eu não deveria estar ali.
Eu, como mulher e homossexual, planejo, minimamente, a minha rotina para sobreviver a mais um dia na terra. Procuro não chamar atenção com meus cabelos e roupas, não andar nas ruas desacompanhada depois de certa hora, não demostrar afetos a minha parceira em público. Vamos falar de uma vida pautada na falta de liberdade de ser quem sou. Vamos falar de ser violada constantemente, de uma violência que não agride só a carne, mas a que fere a alma, que infringe a liberdade de ser quem nasci para ser: mulher.  Retomo a pergunta do início do texto, o que é ser mulher?
Eu não posso responder pelas outras 99% das pessoas o que é ser mulher e os fardos que temos que carregar. A minha voz é o grito solitário, que, em tempos digitais, encontra outros tantos ecos, outras tantas vozes que, assim como a minha, dizem não à legitimação do medo feminino de se locomover pela cidade, não a outros casos Valentina, não ao primeiro assédio, não à violência doméstica e todas as outras formas de violar.
Depois de acompanhar a repercussão dos fatos nas mídias digitais, vi muitos comentários de críticas, que tinham como questão a hierarquia de importância das demandas sociais, o famoso “temos coisas mais importante para discutir”, esquecendo que fazermos parte de um organismo social, e que a violência que nos atinge é a manifestação da doença venérea e histérica que é o ódio. Falar de violência contra uma mulher é falar de violência de uma sociedade inteira que não enxerga no outro da sua própria espécie a continuação da vida.

Nada tem a ver com a supremacia da mulher perante o homem e sim com a liberdade. A mulher que gera, que cria, que alimenta, é a mesma mulher que se sente ameaçada ao voltar do trabalho, nos transportes público, no seio familiar, que tem que se precaver sempre nas roupas nos gestos, que carrega o medo condicionado a um gênero.  Vamos falar da Valentina e de tantos outros casos de abuso sexual e pedofilia, vamos falar de assédio sexual e lembrar que a violência não deve ser cúmplice do silêncio e do medo, e que jamais devemos nos calar. Que o mês de outubro percorra muitas outras primaveras. 

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