26.12.14

Nesses tempos de logos de shoppings como estrelas-guias em pinheiros tropicais só nos resta escrever. Baforar fumaça de um cigarro ruim, esperar, escrever. Esperar.

Conto-lhes a história de um homem sem jeito. Não tinha nome, não tinha ideia. Sequer tento descrevê-lo, poupo quem lê a estranha visão.

Eis o homem sem jeito. Sentava-se em banco de praça fugido da realidade doméstica. Tinha mulher, sim, cachorro e geladeira. Tinha café à mesa e restos do almoço de sábado. Tinha carteira assinada; não tinha era ideia, não tinha era jeito.

Portanto ao banco da praça que retinha forma e memória pra sempre se dirigia. Gostava de olhar as árvores, sim, as árvores e as folhas imaginando suas raízes, imaginando os nutrientes de uma cidade submersa à cidade da gente, cidade provedora da forma dos galhos e das folhas alimentando gente outra, com sombras e frutos e

Também pensava no concreto, esse chão de pedra, forma de pensamento humano achado melhor substituto para terra., que fica úmida e vacilante, concreto também fica úmido mas úmido uma vez só, dava pra tolerar tamanha fluidez. Achava os cachorros estranhos. Coleiras são razão pro andar sem rumo na cidade dos automóveis, pensava e pensava e latia alto porque sim, por que não? Poluem os rios, mas têm lagos em praças. Poluídos e seus.

Alguém olha debaixo dos ralos da cidade? Certa vez conheceu uma senhora que havia perdido seu livro para um bueiro faminto. Tentaram o resgate sem êxito. Comprou outro na livraria próxima, a senhora, que nunca tinha reparado na onipresença do texto escrito: está aqui, na cabeça, agora também no bueiro também na senhora. Que coisa.

Às vezes recebia telefonema da mulher chamada de sua. Era ciumenta, gorda e ciumenta, e não entendia que os olhos não são de ninguém porque piscam e piscam e porque mesmo que fossem ainda lhes falta a luz, falta luz, disse.

Falta grama na cidade; certamente têm medo de grama. É verde e cresce sem seguir lógica do concreto, grama assusta pois faz o que quer, fluida quando regam. Falta grama na cidade.

Acontece que nesse dia fez sinal e pegou o primeiro ônibus que passou. Não sabia onde parar então esperou o impossível: ponto final. Era em Guadalupe, nome de santa veja só, e resolveu ser tempo de cerveja gelada, gelada e skol, pediu logo duas. Bebendo esquecia não ter ideia e desperdiçava tempo olhando, olhando, olhando, olhando. O que? O mundo, ora, que mais tem pra olhar? Encarava o real como cético, amante e ódio, ciência, portanto, não esperava resposta. Esperava silêncio, isso conseguia. Sempre estava certo.

Não tinha ideia nem jeito, por isso não sofria. Só penso pensado, dizia, e vejo o visto, rezava. Deus era mulher, com certeza. O mundo tem um inegável toque feminino.

Não tinha jeito nome ideia forma; se perguntasse, não tinha si mesmo, visão, reflexo de espelho. Evocava baixo palavras sujas. Atirava sementes em terra seca. Fincava os dentes com força na maçã.

Não tinha jeito nem palavra nem ideia

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