13.5.15

"ALUGA-SE UMA VAGA" ***Primeira parte***




Era madrugada e eu vasculhava os grupos de facebook atrás de um lugar para morar. Faltava pouco para o início das aulas  na faculdade. O desespero aumentava a cada aviso de nova mensagem  "- Sinto muito mas, já preenchemos a vaga!".  Sou mais uma entre tantos outros casos de  estudantes que saíram da casa dos pais para se aventurarem nas famosas repúblicas universitárias.

Lembro quando era criança e vi pela primeira vez colado em um orelhão: "ALUGA-SE VAGAS EM CASA DE FAMÍLIA". Fiquei imaginando  essa ideia estapafúrdia de morar com estranhos, tão além da minha realidade que mal conseguia formular um julgamento moral sobre o assunto.  Quem são esses seres místicos? Será que as famílias deles eram tão chatas que resolveram alugar outra? Desde então, nunca mais parei de reparar nos cartazes sobre vagas em casa de família ou pensão.


Os anos passaram, a cabeça se encheu de mundo, o vestibular estava próximo, o frio na barriga e o medo eram partes constantes dos meus dias. Sempre achei que o conhecimento era uma entidade maior que pairou nesse ponto da galáxia e construiu o céu, a terra, a água e quando estava de saco cheio misturou tudo, por acidente se fez barro, por deformação das curvas se fez humano. Ninguém nasce sabendo, o conhecimento é uma construção, um adestramento de fluxos de pensamento, um plugin que te conecta ao mundo a nossa volta. Se eu soubesse disso desde o começo teria tido mais paciência comigo mesma, não me desesperaria tanto, aproveitaria melhor meus anos de colégio e o de pré vestibular, sem medo e nem culpa. Eu não passei no vestibular nesse ano (2004), nem no outro (2005), e nem no outro (2006). Na verdade, só entrei para uma universidade pública 6 anos depois de ter terminado o ensino médio. Antes disso, estudei em uma dessas redes privadas.


Ano de 2007


- O nosso desconto é de 20% para novos alunos
- Mas se eu for boa aluna, o preço cai?
- Só um minuto por favor... Não, nosso desconto é tabelado pela central de financiamento. Caso deseje pode preencher essa ficha e anexar: uma carta de recomendação, comprovante de renda, 3 últimas conta de luz, histórico escolar, entregar tudo nossa central de atendimento para que possamos abrir um protocolo de análise e possivelmente dar um desconto maior. 
- Onde é a central de atendimento?
-Virando o corredor a esquerda, vai passar pelo grande salão, é na porta de vidro. É só pegar a senha e aguardar a ser chamada. 

Estava paralisada frente a burocratização da educação. Pelo que entendi de universidade particular até aquele momento é que Ela é dividida por núcleos. Mais ou menos assim: se você precisa de um certificado de regularidade de matrícula ou simplesmente a assinatura do seu coordenador em algum documento, resolver questões sobre financeiro, pedir eliminação de disciplina, qualquer que seja o problema, o coordenador não tem autonomia para assinar, o professor não tem autonomia para escolher a melhor forma de avaliação de alunos, o financeiro não tem autonomia para te receber e discutir descontos ou alteração da data de vencimento de boleta. A central de atendimentos é o setor  que blinda o acesso dos estudantes a um contato direto com as partes institucionais.



- Mas, como assim não pode??? Me informaram que eu poderia solicitar mais desconto por aqui
-Senhora, infelizmente o desconto é tabelado.
- Eu já rodei essa universidade inteira. Toda hora me encaminham a um setor diferente onde me passam informações completamente conturbadas e distintas. Não tem ninguém com quem eu possa conversar? Sei la, um supervisor, o coordenador, diretor, alguém?
-Não.
-Posso abrir uma reclamação?
-Não sei te informar... verifica no sistema do aluno.
- Ok...

Respirei fundo e sai da sala. Nunca me senti uma dessas crianças especiais, que nos apresentam como portadora de uma capacidade cognitiva extraordinária, nem tive muitas influências que me abrissem portas.  Eu era  mais uma, entre tantas outras, apenas mensalidades no final do mês, identificada por um número de série (matrícula) caminhando no saguão brilhante de shopping universidade, tendo como dia-à-dia um sistema que me imobilizava e idiotizava. Já estava descrente da meritocracia falha que diz: "Se esforce que será um vencedor", "era pobre mas, hoje fala 7 idiomas fluente e se formou em datilografia nuclear pela UFFFFFFFFFFFFFEUSOUFODA. ".

Não desmerecendo quem o fez mas, eu nunca acreditei que era capaz de lutar por coisa alguma, nunca acreditei que isso era possível. Os meus exemplos de vida eram como Deuses intocáveis, dialogando comigo de um patamar que jamais iria alcançar.  Para eles, eu apenas rezava na esperança de ser tocada pele mesma sorte que um dia os abençoou.  Meu sonho era ser jornalista mas, eu tinha sérios problemas gramaticais, não sabia nada de política além do senso comum e meu inglês era péssimo. Sabia que precisava me esforçar, mas não tinha ideia de onde começar. Desci no centro do Rio e vaguei sem rumo,  "ALUGA-SE VAGAS PARA MOÇAS" dizia o papel sujo em um posto, "- devem ser prostitutas", dei o ombro a esse pensamento, a cara de reprovação e indiferença continuei a caminhar. Entrei em banca de jornal e comprei uma revista que vinha com um CD-ROM "monte seu blogger de maneira rápida"  

***********************************Continua****************************************




Um comentário:

  1. Sim, eu leio e compartilho.. Me pego lendo coisas que já fizeram parte de algum dos meus pensamentos, é como se alguém escrevesse o que eu penso, sem eu ter dito nada. Mas está lá. de uma forma clara e direta.

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