28.12.15

O gato

Foi assim que pulei do 1004 para o 1003 de outro prédio. Um passo atrás, desconfiado, a espreita, os movimentos milimetricamente pensados. O gato preto também era um recém chegado em uma promessa de tempos melhores. Ele vem se esfregando na minha perna e eu me esquivo porque nunca soube lidar com pedidos de atenção.

O jovem felino caminha pela casa reconhecendo o espaço e seus limites. Somos dois opostos da mesma moeda, atento, a observar. Prendi uma bola de papel a um pedaço de barbante e amarrei na porta. Fiz um barulho com a mão, balancei o barbante e a bola sinalizando. A brincadeira era intensa, ele batia com as patas na bola que vem e vai desgovernada, eu sentada na cozinha a observar.

Sempre a observar, calculadamente os movimentos do que parece acasos presos em barbantes - Jovens! exclamei em voz alta  e as certezas eram levadas com a água poluída do mar.  A minha caminhada também era intensa, todas as noites na mesma praia, desviando dos objetos trazido pela correnteza da Baia de Guanabara. Onde está o outro ser apático, exclamando ironicamente enquanto brinco com as peças que ele colocou no meu caminho? Em que pedra, em que montanha, em que deserto irei encontra-lo? Será que ele também se esquiva de mim enquanto me acalento procurando abrigo?

Eu queria dize-lo em uma discussão sem fim que está tão perdido quanto eu. Ele grita "herege" e eu cai de joelhos no chão de taco com os olhos cheio de lagrimas.  - Não, gato! Você não pode entrar no meu quarto. O gato parece não entender. Estendo a mão para toca-lo, eu nem sabia que gato lacrimejava. Será que ta doente? O que ele quer me dizer? O levantei na altura da cabeça e nos encaramos, olho a olho, tão vazio quanto os meus. Ele também estava perdido  

Caminhei para fora do quarto e o coloquei no corredor, depois fechei a porta. Em um lapso de consciência da minha posição privilegiada voltei a abri-la, para ver se estava tudo bem. O gato permanecia no mesmo lugar, sentado, distraído com os vazios da casa. Tornei a fechar a porta. Meu quarto também estava vazio: era eu, uma escrivania, uma cadeira dessas que só podem ter sido criadas para girar, e um colchão.  Pensei que talvez tivesse que mobiliar. "- Bobagem!"   me saltou a cabeça, passei 3 anos da minha vida no apartamento compartilhado, tendo apenas a quantidade de objetos que cabiam no meu velho siena prata.

Quantos vazios me distraíram esse tempo todo? Só pode ser a crise dos 30 anos que chegou precoce, se esfrega no cansaço das minhas pernas. - Não há cansaço, não é velhice, você só tem 20 e poucos anos,  respondeu um senhor que ouvia os meus resmungos em voz alta.
- O senhor tem medo? O perguntei
-De que?
-Do tempo?
- Um dia me olhei no espelho e nossa, não sei como nem quando fiquei tão feio.
- Acha que teve uma boa vida? Digo, que fez as escolhas certas?
- E quem vai saber a resposta para essa pergunta? Bobagem!

Entrei no carro, fechei a porta, exitei a liga-lo por alguns segundos. De uma forma misteriosa eu sabia  que essa era a última vez que iria fugir.O último vazio compartilhado com outros vazios e casa se enche de retalho de moveis que não são seus, mas que se misturam com os objetos que trouxe de outro lugar. No final era só uma falsa sensação de segurança e  lar.  Um lugar de passagem, o patético e divertido rito da faculdade  até se está preparado para fincar raízes mais profundas.

-Gato? Gato? Cadê você?

Procurei por toda a casa até acha-lo embaixo do fogão. - Você ta aqui, pequeno. Vem, vamos brincar enquanto ainda estou aqui também...  




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